Deserdados, romance da Amazônia: natureza hostil e humanos decaídos no “inferno verde”

Resumo

O livro Deserdados: romance da Amazônia, lançado em 1921 pelo escritor Carlos de Vasconcellos, narra a chegada de um migrante cearense para trabalhar nos seringais do então Território Federal do Acre, na Amazônia. As imagens apresentadas pelo autor são de uma descida ao inferno na floresta permeada por animais perigosos, índios hostis, rios povoados de feras. Os imigrantes chegam decaídos pela fome e em busca de sobrevivência nesse ambiente maléfico. Os homens são narrados como deserdados de Deus e encalacrados no “inferno verde” amazônico pela secas dos “sertões” do Nordeste brasileiro. Propomos-nos aqui dialogar com esse olhar de tradição euclidiana do autor em sua obra, onde o foco da discussão será em torno das construções discursivas que na trama apresentam a Amazônia acreana carregada de estereótipos negativos. Para essas discussões, iremos nos apoiar em Foot Hardman (2009), onde o autor mapeia a produção literária sobre a região em fins do XIX e inicio do XX e aponta que a centralidade marcante é narrar a região como sendo de natureza violenta e destruidora, com humanos rudes e marcados pelo meio; em Isabel Guillen (2006), quando a autora aborda aspectos sociais, políticos e econômicos das diásporas de “nordestinos” para a Amazônia brasileira em fins dos séculos XIX e inicio do XX; em Ana Pizarro (2012), que  aborda o universo literário e cultural amazônico pelo viés das múltiplas vozes narradoras. Por fim, em Luciana Murari (2009), que apresenta o período que vai da ruptura com o romantismo até ao inicio do movimento chamado de modernismo brasileiro. É nesta tradição do realismo-naturalismo que o autor Carlos de Vasconcellos se insere ao querer objetivamente tratar do trabalho humano, da exploração dos seringueiros e da natureza hostil  vivenciada pelos imigrantes. São vidas humanas e não-humanas que ocupam um mesmo ambiente-mundo, mas vista pelo autor em oposição intrínseca nas suas inter e intra-relações.