Por uma epistemologia decolonial em perspectiva afrodiaspórica e contra-colonial na Linguística Aplicada Brasileira
Palavras-chave:
Epistemologia decolonial. Contra-colonial. Linguística AplicadaResumo
O artigo propõe uma epistemologia decolonial em perspectiva afrodiaspórica (FANON, 1968, 2008; KILOMBA, 2019; BERNARDINO-COSTA, MALDONADO-TORRES, GROSFOGUEL, 2019, GOMES, 2017, 2019) e contra-colonial (SANTOS, 2019) na Linguística Aplicada Brasileira a partir da análise discursivo-pragmática do genocídio do negro brasileiro (NASCIMENTO, 1978). Para tanto, abordaremos a relação entre linguagem e raça sob dois aspectos centrais: a) o racismo em conexão com o colonialismo no Brasil e b) a perspectiva contra-colonial e quilombola. No campo dos Estudos da Linguagem em nosso país, existem algumas pesquisas (MAGALHÃES, 2004; MARTINS, 2004; LANTHAM, 2006, entre outras/os) que mobilizam as categorias linguagem, identidade e raça de maneira imbricada. No campo aplicado, temos tido cada vez mais uma virada decolonial (BONFIM, 2016) que tem buscado “alternativas, sem os purismos ou fundamentalismos característicos da colonialidade, para a construção de descolonialidades na compreensão do mundo e da vida social” (GUIMARÃES; VESZ, 2019, p. 7-8). Nesse sentido, sustentamos a tese de que nossas práticas linguísticas são racializadas e que por isso a linguagem não pode prescindir de ser analisada em sua articulação com os processos coloniais e com as formas de subjetivação que participa(r)am da construção de corpos, identidades raciais e de gênero ao longo do sistema-mundo-patriarcal-capitalista-colonial-moderno (GROSFOGUEL, 2010). Desse modo, entendemos que a Linguística Aplicada Brasileira necessita de uma perspectiva, de uma epistemologia decolonial afrodiaspórica e contra-colonial.
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