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Travessias, Cascavel, v. 16, n. 2, p. 90-103, maio/ago. 2022.

DOI: https://dx.doi.org/10.48075/rt.v16i2.28594

 

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE FORMAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA: O PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA E O ESTÁGIO SUPERVISIONADO

 

Záira Bomfante dos Santos zbomfante@gmail.com

Universidade Federal do Espírito Santo, UFES, São Mateus, Espírito Santo, Brasil;

https://orcid.org/0000-0002-6162-8489

 

Rita de Cassia Cristofoleti ritadecassiacristofoleti@gmail.com

Universidade Federal do Espírito Santo, UFES, São Mateus, Espírito Santos, Brasil;

https://orcid.org/0000-0001-8180-2600

 

 

RESUMO: Este trabalho traz uma reflexão sobre as práticas de formação em um curso de licenciatura, buscando compreender o Estágio Supervisionado e o Programa de Residência Pedagógica como espaços de formação em que se instaura a interlocução sobre os ofícios do ensinar no fazer contínuo das práticas vivenciadas e refletidas na escola. Trazemos para as reflexões as contribuições do Programa Residência Pedagógica visto que um dos seus propósitos é induzir a reformulação do estágio supervisionado, tomados aqui como lócus de investigação. Assumindo como referencial as contribuições da teoria enunciativa de Bakhtin e de Clot (2007) sobre experiência profissional, buscamos uma aproximação analítico-interpretativa dos processos de intepretação de sentidos em circulação na relação de supervisão de estágio e na produção dos projetos de intervenção do programa de residência pedagógica. As reflexões evidenciam que no estágio supervisionado e na residência pedagógica o processo de formação é posto em perspectiva e questionado. Mais do que respostas, esses espaços de formação produzem indagações, explicitam contradições e limites dos processos educativos vividos na escola básica e na formação acadêmica inicial.

 

PALAVRAS-CHAVE: Estágio Supervisionado; Programa Residência Pedagógica; Formação Inicial de Professores.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Esse estudo está articulado com o início de uma experiência vivida pelos alunos do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo - Brasil, relacionada ao Programa Residência Pedagógica[1] e ao Estágio Supervisionado nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O Estágio Supervisionado e a Residência Pedagógica se configuram como espaços de formação do futuro professor que aprende os ofícios do ensinar no fazer constante e contínuo das práticas vivenciadas e refletidas na escola.

As questões que perpassam o debate instaurado nesse texto vão ao encontro de temáticas como o de reflexão, leitura, ação, pensamento, interação, prática pedagógica e formação de professores. Participando como professoras do processo formativo dos alunos do curso de Pedagogia, no início das experiências vividas no Programa Residência Pedagógica articuladas com o Estágio Supervisionado, nos perguntávamos: como construir, no futuro profissional, uma capacidade investigativa oriunda da reflexão de sua própria prática docente; como criar junto do professor, com o professor e no professor, um espírito de investigação-ação; como encorajar a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação, considerando como esses processos de conhecimento se instauram e se desenvolvem nos sujeitos?

Diante desses questionamentos, o que seria pensar o estágio e a residência como processos de interação do futuro professor consigo mesmo e com outros professores e, também, como desenvolver a habilidade de leitura e reconhecimento das teorias presentes nas práticas pedagógicas das instituições escolares, levando em consideração as orientações e as aulas vividas na Universidade? E ainda: em que condições a vivência oportunizada pelo efetivo exercício da docência supervisionada proporciona ao estudante condições para refletir, analisar e compreender sua ação, identificar problemas e, subsidiando-se da teoria, buscar alternativas para o enfrentamento da realidade? Em se definindo o papel dos supervisores do estágio/residência na Universidade, como o de ajudar os estagiários a compreenderem as situações e a sistematizarem o conhecimento que surge da interação entre ação e o pensamento, como realizar essa nobre missão?

Interessadas em apreender os sentidos da escola e da docência que circulam e são elaborados nas relações de estágio e de orientação aos alunos estagiários e residentes, buscamos, no campo da linguagem, referências teóricas e metodológicas que nos possibilitassem compreender o processo de formação e os sentidos nele produzidos. A nossa principal preocupação era entender as relações intersubjetivas de compreensão do trabalho docente que os alunos estagiários elaboravam em suas vivências diárias na escola.

O conceito de compreensão adotado é tributário da concepção semiótica de Bakhtin (1999) e refere-se aos processos de produção de sentidos nos quais os sujeitos participantes das relações sociais, a partir dos lugares sociais que ocupam, procuram ativamente orientar-se em relação aos significados nelas postos em circulação, confrontando-os com os sentidos constitutivos de suas experiências.

Nesse estudo, utilizaremos como material de análise as produções elaboradas pelos alunos em suas intervenções pedagógicas no campo do estágio supervisionado e da residência pedagógica. Entendemos, assim, que é por meio da escrita reflexiva profissional que o aluno – professor em formação – é capaz de expressar seus pontos de vista, emoções e avaliações a respeito das experiências vivenciadas na prática dos estágios e na residência em escolas de ensino básico.

Entendemos também a formação de professores como um complexo processo de produção de sentidos, instaurado, materializado, constituído e mediado pela linguagem. Nessa perspectiva, o uso da palavra é compreendido como uma forma de descrever, pensar, analisar discursivamente o que se vê na escola, levando em consideração as apreciações valorativas e as tensões constitutivas do próprio dizer, entendido como réplica, como produção intersubjetiva inscrita na cadeia da comunicação verbal.

De modo a apurar a opção teórica e metodológica assumida, no próximo subitem trabalhamos com os conceitos de M. Bakhtin e em interlocução com eles discutir as possibilidades formativas do estágio e da residência pedagógica

 

2 AS POSSIBILIDADES FORMATIVAS DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO E DA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: AS CONTRIBUIÇÕES DE BAKHTIN

A escolha por abordar a formação de professores como um processo de produção de sentidos aproximou-nos das teses de Bakhtin acerca da linguagem e seu funcionamento nas relações sociais e de sua centralidade na constituição dos sujeitos. Sem negar a linguagem como possibilitadora da comunicação, Bakhtin atribui a ela um papel mais amplo do que esse, ao defini-la como central no processo de humanização do homem. Segundo ele, a especificidade da constituição histórico-cultural dos seres humanos reside no fato de que seu acesso à realidade é sempre mediado pela linguagem.

Os signos, criados por sujeitos situados socialmente, no curso de suas relações, nomeiam o real, categorizam-no e também o avaliam. Eles significam dentro de uma realidade material e concreta, mas não apenas a espelham porque comportam em si um conteúdo e um sentido ideológico ou vivencial. As palavras, segundo Bakhtin (1999, p. 66), não apenas designam os eventos do mundo. No momento de sua expressão, elas se revelam como “o produto da interação viva das forças sociais”. Nelas “se entrecruzam e lutam valores sociais de orientação contraditória” (BAKHTIN, 1999, p. 66) que nascem das experiências e do confronto de interesses de grupos sociais em uma dada formação histórica.

Nessas relações, a palavra se posiciona sempre na relação eu-outro. Nos enunciados, ela assume uma expressividade entonativa. Seus sentidos têm relação com o momento e a situação dados e também com a história em que se inscrevem; têm relação com os sujeitos envolvidos, mediata e imediatamente, na dinâmica interacional em curso; têm relação com os lugares sociais por eles ocupados, com suas experiências, com suas apreciações e juízos.

Na relação com outros discursos, os sujeitos se expressam valorativamente, situando-se no mundo, compreendendo o mundo, a si mesmo e o outro. Essa apreciação valorativa nasce nas especificidades da condição de existência, em um determinado contexto histórico e cultural e afeta tanto o conteúdo dos signos quanto a constituição dos sujeitos. Nossas palavras e nossos valores são contrapalavras às palavras do outro, dialogam com elas e constituem-se a partir delas.

O conceito de enunciação remete ao conceito de vozes, pois todo enunciado constitui-se a partir de outro(s) enunciado(s), é uma réplica. Daí Bakhtin destaca que em todo dizer e em todo dito dialoga com as vozes sociais, entendidas como pontos de vista de locutores imediatos e como visões de mundo, orientações filosóficas que remetem tanto ao passado como ao futuro. No dialogismo, as relações entre vozes se produzem de diversas maneiras, “com algumas delas fundimos inteiramente a nossa voz, esquecendo-nos de quem são; com outras, reforçamos a nossas próprias palavras, aceitando aquelas como autorizadas por nós” (BAKHTIN, 1981, p. 169).

As teses de Bakhtin nos ajudam entender a escola, o que é compreendido nela, bem como as práticas dos alunos estagiários/residentes. Para tanto, a história é crucial à análise das condições de produção imediatas e mais amplas dos sentidos em circulação nas relações sociais e os dados relevantes para o pesquisador interessado na formação humana não estão no indivíduo em si, nem naquilo que ele diz ou faz, mas no que esse indivíduo diz e faz, a quem, com quem e em que condições, a partir dos lugares sociais que ocupa nas atividades e instituições em que está inserido.

É nas condições objetivas das relações sociais, que são sempre relações de poder, marcadas pelas múltiplas pertenças – pertença de classe social, pertença de gênero, raça, geração etc. – e lugares sociais, distintos e assimétricos, ocupados pelos interlocutores, que os sentidos da escola, da docência, da democratização, da participação, da qualidade do ensino, da autonomia, da identidade, centrais nas teorizações hegemônicas acerca da profissionalidade docente, vão sendo apropriados e elaborados, tornando-se parte daqueles que os enunciam.

Os sentidos elaborados e a formação docente, portanto, constroem-se dentro dos limites possíveis às interações verbais. Não há um significado intrínseco às palavras escola, docência, ensino, aprendizagem, nem às palavras teoria, prática, reflexão, autorreflexão, postura investigativa, professor reflexivo, responsabilidade, mudança, inovação etc., e sim formações históricas, que as constituem e sustentam em coordenadas sociais, culturais e de subjetivação e experiências que atendem as necessidades práticas e aos propósitos pragmáticos específicos.

O complexo processo de produção dos sentidos indicia-se nos enunciados concretos, cuja compreensão e interpretação realizam-se em ligação estreita com as condições de produção da situação social em que se materializam. Essa diversidade de sentidos nasce tanto dos lugares sociais ocupados pelos atores sociais envolvidos nas atividades educativas relativas ao estágio supervisionado, quanto das condições sociais de produção dessas atividades.

Assim, o estágio e a residência pedagógica como campos de formação possibilitam o encontro e o confronto entre patrimônios de conhecimentos (conhecimentos teóricos, intuitivos, sensíveis, práticos), entre instituições (universidade, escola básica) e papéis sociais (estagiário, professor, gestor, formador universitário), que não são apenas distintos entre si, mas hierarquizados e valorizados, segundo os lugares que ocupam na divisão social do trabalho (trabalho intelectual/ trabalho prático) em nossa formação social. Tais condições sociais de produção explicam a tensão que pauta as relações de estágio e o caráter polêmico que caracteriza as interlocuções nele produzidas.

Em sua inserção nas situações de trabalho, o estagiário questiona o fazer dos professores da escola de ensino fundamental em face daquilo que se afirma sobre a docência na formação recebida no ensino superior, bem como essa formação em face dos saberes da experiência que reconhece naqueles professores. Ele vive o “desconforto intelectual”, conceito forjado por Schwartz (2000) para se referir ao reconhecimento de que o conhecimento disciplinar sistematizado é desafiado em relação à experiência e de que suas generalizações e modelos necessitam ser sempre reapreciados, bem como o reconhecimento de que faltam sistematizações e explicitações a muitos dos conhecimentos sensíveis e práticos da experiência.

O “desconforto intelectual” afeta as relações entre os estagiários, residentes, os formadores e os professores da escola básica que o recebem, ao evidenciar lacunas em seus patrimônios de conhecimento, devido aos tempos escolares que se configuram, segundo Hébrard (2000), no tempo das práticas – lento, feito de redimensionamentos ao longo do decurso da história - das políticas e dos discursos – velozes e novidadeiros.

A aprendizagem dos saberes disciplinares é também acompanhada da tensão e do confronto com saberes disciplinares que são dominados pelos professores e pelos gestores das escolas, mas ainda não elaborados e apropriados pelos estagiários e da tensão e do confronto do estagiário com uma série de desconhecimentos em relação aos conhecimentos intuitivos e práticos de que os professores e gestores em atuação nas escolas são portadores.

 

“Professora, quero fazer um projeto de intervenção que dê voz aos alunos, como você diz na aula, porque na escola observo que os alunos só copiam. Por outro lado, a professora da sala não está acostumada a trabalhar em grupo e ouvir a opinião dos alunos, não sei se ela vai permitir que eu faça um projeto assim”. A questão é de negociação mesmo”. (Enunciado de uma aluna do curso de Pedagogia em supervisão e orientação quanto a elaboração de seu projeto de intervenção relacionado ao Estágio Supervisionado articulado com a Residência Pedagógica)

 

Mais do que a tradução de um conhecimento em outro, no encontro entre o que se conhece, o que não se conhece e o que se projeta, atuam “forças de estabilização e de homogeneização” no sentido de trazer para o escopo das referências sistematizadas, as vivências e sentidos produzidos no estágio, neutralizando as especificidades imediatas e locais do trabalho docente. Mas, ao mesmo tempo em que o estagiário quer explicar todos os acontecimentos da escola, atuam também “forças de dispersão e difusão” dos sentidos em circulação que, nascidas da docência produzida em suas condições singulares e imediatas, questiona, avalia e invalida, em parte, os conhecimentos disciplinares, contrapondo-os aos sentidos forjados na experiência.

 

“A gente fala muito em práticas mais construtivas com relação ao ensino da leitura e da escrita, da alfabetização, mas eu vejo também que os alunos precisam de momentos que eles possam sistematizar, escrever as palavras, pensar nas sílabas, repetir algumas vezes, porque não? Isso ensina também”. (Enunciado de uma aluna do curso de Pedagogia em supervisão e orientação quanto a elaboração de seu projeto de intervenção relacionado ao Estágio Supervisionado articulado com a Residência Pedagógica)

 

Da perspectiva do cotejamento entre os significados estabilizados na cultura escolar e os sentidos singulares da docência, o estágio e a residência pedagógica configuram um espaço de tensão e de formação recíproca entre os professores da escola básica, os professores formadores e os estudantes-estagiários, o que nos leva a defender esses espaços como “uma intervenção que se faz dentro da determinação da própria história” (HÉBRARD, 2000, p.7), ou seja, como um processo intersubjetivo, em que os estagiários, seus formadores e os professores que os recebem significam as práticas educativas escolares dentro dos limites possíveis às relações sociais tecidas entre eles, em condições históricas específicas.

Assumindo tais referências, exploramos as condições formativas do Estágio Supervisionado articuladas com o Programa Residência Pedagógica, no que diz respeito às suas produções com relação aos projetos de intervenção, atendendo as exigências avaliativas tanto do Estágio quanto da Residência.

 

3 A PESQUISA REALIZADA: OPÇÕES E ENCAMINHAMENTOS

 

Interessadas em compreender como os alunos elaboravam os sentidos produzidos na escola, com a escola e sobre a escola, esse estudo irá analisar os projetos de intervenção elaborados pelos estudantes do curso de Pedagogia, a partir de suas vivências experimentadas na escola, entrelaçadas ao Estágio Supervisionado e ao Programa Residência Pedagógica.

Como componente integrante do Programa Residência Pedagógica e Estágio Supervisionado, os alunos desenvolvem a cada semestre um projeto de intervenção pedagógica, articulado com seu plano de atividades na escola. O projeto de intervenção deve partir de suas análises com relação às práticas vivenciadas tanto no processo de ambientação[2] como no processo de imersão escolar[3]. Esse projeto também se configura como aulas que os estudantes devem desenvolver na educação básica no qual estagiam e/ou residem.

Nesse contexto, o subprojeto do curso de Pedagogia relacionado ao Programa Residência Pedagógica da Universidade Federal do Espírito Santo, tem como objetivos principais:

·       Aperfeiçoar a formação dos discentes do curso de Pedagogia, por meio do desenvolvimento de projetos de intervenção que fortaleçam o campo da prática e possibilite o exercício de forma ativa entre teoria e prática profissional docente;

·       Investigar sobre os processos de formação inicial docente no cotidiano das relações de ensino;

·       Atuar na elaboração de propostas educacionais para os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental no que diz respeito aos processos iniciais de elaboração de escrita (1º ao 3º ano) e, posteriormente, na elaboração e produção de textos (4º e 5º ano).

·       Atuar com os professores dos anos iniciais na elaboração de projetos de intervenção nas diferentes áreas do conhecimento;

·       Articular a Residência Pedagógica ao campo do Estágio Supervisionado, buscando estabelecer a relação entre teoria e prática no cotidiano escolar.

O subprojeto do curso de Pedagogia em que se relaciona à Residência Pedagógica e sua articulação com o Estágio Supervisionado se desenvolve em três escolas de ensino fundamental da cidade de São Mateus – ES e está articulado com o projeto institucional da Universidade Federal do Espírito Santo, por entender que os residentes são autores do seu próprio desenvolvimento profissional e por isso, devem assumir uma postura crítico-reflexiva que os levem a atuarem como autores de suas próprias práticas, construindo e reconstruindo conhecimentos e concepções acerca do ser professor dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Cada escola conta com 08 estudantes do curso de Pedagogia e com um professor preceptor, que deverá necessariamente ser professor da educação básica da referida escola de atuação dos residentes. Ao todo, participam do programa Residência Pedagógica do curso de Pedagogia, 24 estudantes e 03 professores preceptores. Os estudantes residentes devem cumprir ao longo de 18 meses de residência 440 horas distribuídas em[4]: 60 horas destinadas à ambientação na escola; 320 horas de imersão, sendo 100 de regência, que incluirá o planejamento e execução de pelo menos uma intervenção pedagógica; e 60 horas destinadas à elaboração de relatório final, avaliação e socialização de atividades.

Nos limites desse texto, analisaremos 14 projetos elaborados pelos estudantes residentes/estagiários, focando, especificamente, os seguintes eixos que compõem o projeto de intervenção pedagógica[5]: Área, Tema, Ano Escolar e Objetivos (Tabela).

 

Quadro 1 – Projetos de intervenção pedagógica

Projeto 01

Área: Língua Portuguesa

Tema: Construção de significados para o movimento de leitura e escrita.

Ano escolar: 1º

Objetivos:

ü  Identificar o alfabeto e seu uso na formulação de palavras;

ü  Reconhecer os usos funcionais e a escrita de palavras através de sequência didática;

ü   Trabalhar a linguagem oral através do reconto de história.

Projeto 02

Área: Língua Portuguesa

Tema: A construção de poemas sobre o viés da Bossa Nova.

Ano escolar: 2º

Objetivos:

ü  Valorizar a escrita e a oralidade de textos e músicas;

ü  Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem;

ü  Estabelecer relações entre o texto/música e conhecimentos prévios, vivências, valores e crenças dos alunos.

Projeto 03

Área: História e Alfabetização

Tema: Brincadeiras.

Ano escolar: 2º

Objetivos:

ü Contribuir para o aprendizado por meio das atividades realizadas entrelaçando História e Alfabetização;

ü Desenvolver atividades sobre as brincadeiras, de leitura e escrita;

ü Produzir brinquedos.

Projeto 04

Área: Língua Portuguesa

Tema: Alfabetização – A importância da literatura Infantil nos processos de Alfabetização e letramento.

Ano escolar: 2º

Objetivos:

ü  Analisar o papel da literatura infantil no processo de alfabetização e letramento;

ü  Refletir sobre a literatura e as possibilidades de retextualização;

ü  Proporcionar o contato com a literatura através da contação de história.

Projeto 05

Área: Língua Portuguesa e Ciências

Tema: Leitura e Produção Textual: higiene e saúde. Ano escolar: 3º

Objetivos:

ü  Motivar o ato de ler e escrever;

ü  Dar condições para que o aluno faça as suas produções de forma espontânea;

ü  Tornar o aluno um leitor/escritor participativo.

Projeto 06

Área: Língua Portuguesa e Ciências

Tema: Conhecendo as frutas, verduras e legumes.

Ano escolar: 3º

Objetivos:

ü  Compreender os diferentes tipos de verduras, frutas e legumes articulada à interpretação e produção de textos;

ü  Identificar as diferentes etapas de produção dos alimentos;

ü  Conhecer a necessidade da higienização dos alimentos e das mãos.

Projeto 07

Área: Língua Portuguesa

Tema: O processo da escrita e reescrita e a interpretação de textos.

Ano escolar: 3º

Objetivos:

ü  Apresentar atividades para a aquisição da linguagem escrita;

ü  Ouvir o aluno durante o processo de sua aprendizagem.

Projeto 08

Área: Língua Portuguesa

Tema: “Eu Conto e Tu Reconta”. Ano escolar: 3º

Objetivos:

ü  Interpretar e resignificar as histórias contadas;

ü  Compreender o enredo da história;

ü  Dramatizar, recontar e escrever histórias.

Projeto 09

Área: Língua Portuguesa e Matemática

Tema: Produzindo e Calculando com o Ábaco. Ano escolar: 4º

Objetivos:

ü  Contribuir para o aprendizado do raciocínio lógico;

ü  Promover o aprendizado nas operações matemáticas;

ü  Possibilitar a compreensão da noção de dezenas, unidades, centenas e milhar.

Projeto 10

Área: Língua Portuguesa e Matemática

Tema: Cartas sobre mim – a prática da correspondência como incentivo à leitura e à produção de texto significativa. Ano escolar: 4º

Objetivos:

ü  Fomentar as práticas de leitura e escrita através da construção de cartas;

ü  Reconhecer a função social de uma carta através de discussão oral;

ü  Identificar as características do gênero textual carta a partir de situações reais.

Projeto 11

Área: Matemática

Tema: Aprendendo as quatro operações matemáticas. Ano escolar: 4º

Objetivos:

ü  Instigar o interesse pela matemática por meio da ludicidade;

ü  Desenvolver regra e construção social através de grupo;

ü  Trabalhar a aprendizagem através de jogos matemáticos.

Projeto 12

Área: Língua Portuguesa

Tema: Gêneros Textuais: Poema e Poesia

Ano escolar: 5º

Objetivos

ü   Introduzir às crianças ao mundo da leitura e escrita de Cecília Meireles;

ü  Desenvolver a oralidade em conversa sobre o texto e a autora;

ü  Conceituar poema e definir suas partes e produzir textos poéticos.

Projeto 13

Área: Língua Portuguesa.

Tema: O sabor da leitura na sala de aula. Ano escolar: 5º

Objetivos

ü  Trabalhar a produção de texto;

ü  Propor a escrita de um texto contando a história através do seu olhar;

ü  Registrar as contribuições e falhas das atividades realizadas com vistas ao aperfeiçoamento pedagógico.

Projeto 14

Área: Língua Portuguesa.

Tema: Escrita e reescrita de cantigas de roda. Ano escolar: 5º

Objetivos:

ü  Possibilitar o desenvolvimento da aprendizagem no âmbito da escrita, leitura e interpretação de texto;

ü  Compreender a composição e o estilo do gênero;

ü  Desenvolver estratégias de revisão e avaliação de textos produzidos, utilizando o método de reescrita.

 Fonte: elaboração das autoras

 

Podemos perceber que dos 14 projetos de intervenção elaborados, 09 são projetos relacionados à área de Língua Portuguesa; 01 projeto relacionado à área de Matemática; 01 projeto relacionado ao entrelaçamento das áreas de Língua Portuguesa e Matemática; 02 projetos relacionados ao entrelaçamento das áreas de Língua Portuguesa e Ciências e 01 projeto relacionado ao entrelaçamento das áreas de Alfabetização e História.

A grande demanda do desenvolvimento de projetos nas áreas de Língua Portuguesa surgiu da preocupação das escolas em relação à alfabetização dos alunos nos três primeiros anos escolares e da necessidade de se trabalhar a interpretação, leitura e escrita de textos para os alunos do 4º e 5º ano do ensino fundamental.

Os projetos de intervenção pedagógica foram elaborados após uma cuidadosa observação e análise de possibilidades de aplicação nos anos escolares em que atuavam. Juntamente com a observação dos estudantes nas escolas de atuação, nós, como professoras da Universidade orientava-os na busca e reflexão de suas escolhas pedagógicas. Entendemos que a Universidade tem um papel essencial na formação dos estudantes que atuam in loco nas escolas, por considerar em suas atividades de reflexão as contribuições da academia e a relação que se estabelece entre o que se estuda e o que se vivencia nos espaços educacionais.

Na relação entre as contribuições do professor da Universidade e as práticas vivenciadas nas escolas pelos estudantes mediadas pelos atores sociais que constituem esse espaço, encontramos fundamentação teórica na obra de Y. Clot (2007), psicólogo que, a partir das teses de Vigotski e de Bakhtin acerca da constituição histórico-cultural da condição humana, tem pesquisado em que condições a experiência profissional pode ser transmitida e renovada.

Clot (2007) analisa a função social do trabalho enfocando as relações entre aprendizes e iniciados e as relações que se produzem em situação de formação continuada entre profissionais. No campo do estágio e da residência pedagógica, esses dois tipos de relação se produzem, pois, a formação inicial reúne, predominantemente, aprendizes, aspirantes a professor e, em menor escala, professores em atuação na escola básica que estão dando continuidade à sua formação inicial no Ensino Superior.

Tanto nas relações entre aprendizes e iniciados, quanto naquelas que se estabelecem entre sujeitos que já são profissionais de uma mesma área, o que se espera do professor na Universidade é o domínio da atividade profissional propriamente dita, que traz em si, sintetizadas, as regras do ofício, a cultura profissional coletiva, constituída por formas sociais e históricas, que configuram e reconfiguram tal atividade e que se tornam parte daqueles que a exercem.

As regras de ofício são uma espécie de convenção organizada por um meio profissional que indicam aos profissionais a maneira de agir, de dizer, de se relacionar com seus pares, com a hierarquia e com as organizações formais e informais do mundo do trabalho. Indispensáveis à convivência e à sociabilidade, elas definem condições de aceitabilidade das atitudes no âmbito das relações de trabalho e são relativamente estáveis. Pré-existindo aos sujeitos individualmente considerados, as regras do ofício interpõem-se entre eles e a situação de trabalho, orientando a realização e o esclarecimento da atividade pessoal e vinculando-a ao coletivo, aos outros sujeitos que participam dessa mesma situação.

Coletivas, tácitas, assentadas no estilo indireto da economia de palavras e de explicações, as regras de ofício não se enunciam abertamente, nem são objeto de uma transmissão explícita. Elas se fazem legíveis nos corpos, nos gestos, na dinâmica das relações de trabalho nos diferentes campos de atividades profissionais e, os sujeitos delas se apropriam no fluxo das ações vividas nas relações de trabalho. Eles aprendem a percebê-las e a interpretá-las nas ações individuais e coletivas e nas próprias situações de trabalho. Nesse aprendizado, o tempo é um fator de grande importância.

O domínio das regras de ofício distingue as expectativas de experientes e iniciantes. Clot (2007) aponta que um iniciante, privado do domínio da cultura profissional comum, geralmente não sabe por onde começar, por não conseguir apreender os sentidos indexados nas situações de trabalho. O que ele espera do professor na Universidade, reconhecido como um profissional experiente, é a transmissão dessa experiência profissional, através da indicação de como proceder, do comentário e do esclarecimento sobre os modos como ele realiza suas atividades e sobre como ele se insere nas relações da escola - um contexto alheio - orientado por intenções alheias materializadas na proposta de estágio/residência, nas muitas vozes sociais que compõem seu processo de formação inicial e nas das regras de ofício ainda não apreendidas.

Do ponto de vista das relações entre educação básica e ensino superior, professor da escola básica e formador universitário, ocupam lugares sociais distintos, que em nossa formação social guardam entre si diferenças hierárquicas e de valorização, em função da posição que ocupam na divisão social do trabalho. O professor universitário não só passa por um processo de escolarização mais longo, como chega ao seu ápice. Ele constrói uma carreira acadêmica que após o doutorado não depende mais do acompanhamento e do aval de um orientador. Sua função inscreve-se na esfera do trabalho intelectual. O professor da escola básica inscreve-se na esfera do trabalho prático dos sistemas de ensino.

Nessas condições, o que o estagiário/residente espera do seu professor na Universidade depende, basicamente, do quanto nele reconhece o domínio das regras de ofício dessa atividade e das possibilidades que encontra, na relação de ensino conduzida por esse profissional, de redimensionar sua compreensão da docência, pelo acesso a referências ainda não conhecidas e sua apropriação. Essas expectativas nascem das semelhanças e das diferenças que os estagiários, atuantes como professores em formação na escola básica, identificam entre sua trajetória de formação e atuação e a de seu professor formador.

Nesse sentido, os projetos de intervenção partiram das análises dos residentes/estagiários com relação ao contexto escolar vivenciado, com as conversas com os professores da escola e das orientações e conversas com nós, professoras na Universidade, que em interlocução com as experiências já acumuladas – as regras de ofício – subsidiaram a escrita e elaboração do que foi desenvolvido na escola, junto aos alunos da educação básica.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Esse texto trouxe algumas reflexões relacionadas ao papel da escola básica e ao papel da universidade no campo da formação inicial de professores. O programa Residência Pedagógica articulado ao Estágio Supervisionado tem como um de seus objetivos principais contribuir para a formação dos estudantes através da vivência do cotidiano das escolas e, junto com o professor da educação básica e com o professor da universidade intervir e planejar algumas práticas instauradas no interior das escolas em que atuam.

 Estando na escola e vivendo as relações sociais que nesse espaço são produzidas – configuradas como relações de ensino – o estudante estagiário não sabe de antemão o que vai acontecer estando face a face com os sujeitos singulares que a produzem, pois é nessa relação que vai se construir uma história entre esses sujeitos, cujo desfecho não se tem como antecipar.

A insegurança, o medo de não saber o que fazer, o medo de não serem bem-vindos na escola, são sentimentos que tomam conta dos estudantes, praticamente em todo o início do estágio e no programa de residência. Esses sentimentos indiciam o não domínio do patrimônio profissional pelo aprendiz de professor e sua dependência dos outros que lhe atribuem seu lugar na escola, acolhendo-o na distribuição social das atividades dentro dela e iniciando-o na sua realização.

Nesse contexto, nas práticas de intervenção e atuação dos estudantes na escola, as relações entre o pensado e o feito; entre o pensado, o feito e o modo como o pensado e o feito são enunciados dizem respeito aos modos como os sujeitos constituem-se e qualificam-se nas relações com outros sujeitos em condições socialmente organizadas. Elas remetem à delicada questão da relação existente entre teoria e prática, na concreticidade de sua produção nas ações dos sujeitos.

Entre o pensado, o feito e o modo como o pensado e o feito são enunciados, não há uma mera transposição, mas transformações que afetam um e outro. O que estagiários/residentes e professores da universidade dizem sobre as escolas e o trabalho pedagógico ali produzido, sobre a formação, sobre si mesmos e sobre seus interlocutores diz respeito a seus “ideais”[6] e também à lógica dos acontecimentos em que se inserem. Lógica esta que, mediando a relação entre o que se pensa e o que se faz transforma um e outro, uma vez que a mediação potencializa uma ação que modifica e transforma.

 

5 REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária, 1981.

 

BAKHTIN, M. (Volochinov, V.). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

 

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. 2. ed. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

 

HÉBRARD, J. O Objetivo da escola é a cultura, não a vida mesma. Presença Pedagógica, [S.l.], v. 6, n. 33, p. 5-17, maio/jun., 2000.

 

 


 

Title

Reflections on training practices in the Pedagogy course: the Pedagogical Residence Program and the Supervised Internship.

 

Abstract

This work brings one reflection on the training practices in a degree course, seeking to understand the Supervised Internship and the Pedagogical Residency Program as training spaces in which dialogue about the crafts of teaching is established in the continuous practice of lived and reflected practices at school. We bring to the reflections the contributions of the Pedagogical Residency Program since one of its purposes is to induce the reformulation of the supervised internship, taken here as a locus of investigation. Taking as a reference the contributions of the enunciative theory of Bakhtin and Clot (2007) on professional experience, we seek an analytical-interpretative approach to the processes of interpretation of meanings in circulation in the relationship of supervision of internship and in the production of intervention projects of the program of pedagogical residency. The reflections show that in the supervised internship and in the pedagogical residency, the training process is put in perspective and questioned. More than just answers, these training spaces produce questions, explain contradictions and limits of the educational processes experienced in basic school and in initial academic training.

 

Keywords

Supervised internship; Pedagogical Residency Program; Initial Teacher Training.

 

 

Recebido em: 13/12/2021.

Aceito em: 19/05/2022.

 



[1] Segundo o Edital CAPES nº 06/2018 – Retificado, o Programa Residência Pedagógica iniciou-se em agosto de 2018 e possui um prazo de 18 meses para o seu desenvolvimento, finalizando-se em janeiro de 2020.

[2] De acordo com o subprojeto do curso de Pedagogia relacionado à Residência Pedagógica, os alunos devem realizar 60 horas de atividade de ambientação que referem-se às atividades em que residentes/estagiários conhecerão o histórico da escola, sua comunidade, quem são seus alunos, quais são as principais dificuldades dos alunos com relação às aprendizagens que estão acontecendo, como o professor regente organiza a sala de aula, quais conteúdos privilegia na prática pedagógica, como organiza o trabalho pedagógico, procurando a partir dessas observações, se inserir nas práticas educativas da sala de aula e desenvolver as horas de imersão.

[3] De acordo com o subprojeto do curso de Pedagogia relacionado à Residência Pedagógica, os alunos devem realizar 320 horas de imersão na escola que se referem as horas de observação e participação efetiva na prática pedagógica da sala de aula em que o aluno irá residir, com desenvolvimento de um projeto de intervenção pedagógica semestral, contemplando 100 horas de regência, conforme edital capes nº 06/2018/Retificado.

[4] Segundo Edital Capes nº 06/2018 – Retificado

[5] O Projeto de Intervenção Pedagógica desenvolvido no campo da Residência Pedagógica e do Estágio Supervisionado é composto dos seguintes aspectos: Área e Tema; Período de Realização; Público-alvo; Justificativa; Objetivos; Metodologia; Recursos Utilizados; Avaliação dos Resultados Alcançados; Referências. Nos limites desse texto, enfocaremos apenas Área e Tema; Ano Escolar e Objetivos.

[6] Lembrando que por ideais está-se entendendo princípios, modos de significar e apreciações valorativas da prática pedagógica que, produzidos e divulgados socialmente, são singularizados em cada sujeito.