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Travessias, Cascavel, v. 16, n. 2, p. 19-40, maio/ago. 2022.

DOI: https://dx.doi.org/10.48075/rt.v16i2.28871

 

O ETHOS CONTRASTIVO EM UM TEXTO DO VESTIBULAR DOS POVOS INDÍGENAS DO PARANÁ/UNIOESTE: ANÁLISE DOS PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO E DE ELEMENTOS NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL

 

Eviliane Bernardi – evilianeb@hotmail.com

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Unioeste, Cascavel, Paraná, Brasil;

Instituto Federal do Paraná, IFPR, Paranavaí, Paraná, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-6670-5199

 

Renan Paulo Bini – renanpaulobini@hotmail.com

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Unioeste, Cascavel, Paraná, Brasil; Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); https://orcid.org/0000-0002-9076-6864

 

Aparecida Feola Sella – afsella1@yahoo.com.br

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Unioeste, Cascavel, Paraná, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-0563-7815

 

 

RESUMO: Neste artigo, apresenta-se investigação sobre estratégias linguísticas usadas para a construção do ethos de um candidato indígena em texto argumentativo, produzido no XVI Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná/2016/Unioeste. Especificamente, em uma abordagem qualitativa, objetiva-se analisar a construção do ethos por meio do processo de referenciação na constituição dos objetos de discurso “índio” e “povos indígenas” e os usos da primeira pessoa do plural (verbos flexionados e pronomes), principalmente com função exclusiva. Para isso, o aporte teórico que embasa as análises da construção do ethos por meio do processo de referenciação e dos elementos linguísticos na primeira pessoa do plural parte da abordagem sociocognitivo-interacionista e de propostas multidisciplinares relacionadas à Argumentação, como a Retórica, a Linguística Textual, a Linguística Cognitiva e a Pragmática. Constata-se que o processo de referenciação e modalizadores com função exclusiva são mobilizados pelo vestibulando para a construção de um ethos contrastivo (indígena e/ou não indígena), sinalizam o ponto de vista do produtor e conduzem a orientação argumentativa do texto, por meio da composição triádica ethos, pathos e logos.

 

PALAVRAS-CHAVE: Ethos; processos referenciais; elementos na primeira pessoa do plural com função exclusiva; identidade contrastiva.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta reflexões sobre estratégias linguísticas utilizadas por um candidato indígena, em uma redação do vestibular da Unioeste. O enfoque da pesquisa reside na forma como esse candidato construiu seu ethos, nas condições vinculadas ao XVI Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, realizado em 2016. Assim, parte-se do objetivo de analisar a construção do ethos por meio do processo de referenciação na constituição dos objetos de discurso “índio” e “povos indígenas” e dos usos da primeira pessoa do plural (verbos flexionados e pronomes), principalmente com função exclusiva.

O Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, em sua 16ª edição, foi organizado pela Unioeste. Trata-se de prova específica para candidatos indígenas e teve sua primeira edição no ano de 2001, em decorrência da publicação da Lei n.º 13.134/2001, que garantiu reserva de vagas para indígenas nas Universidades Estaduais do Paraná, para serem disputadas, exclusivamente, entre os integrantes da sociedade indígena paranaense.

Tendo em vista que o texto selecionado para esta pesquisa foi produzido por um estudante indígena, que buscava uma vaga na universidade, entende-se que essa produção demonstra particularidades relevantes para a análise dos pontos de vista, projetos de dizer, percepção da identidade e cultura indígenas, a partir dos quais a orientação argumentativa do texto é conduzida. Selecionou-se apenas um texto para compor o corpus de análise por se tratar de uma pesquisa qualitativa com viés interpretativista que busca ilustrar os fenômenos analisados. Dessa forma, considera-se essa seleção suficiente aos propósitos deste trabalho.

Para o desenvolvimento deste percurso, o aporte teórico que embasa as discussões sobre as categorias retóricas ethos, pathos e logos considera pesquisas como as desenvolvidas por Mosca (2001), Amossy (2016), Adam (2016) e Dascal (2016). A análise do processo de referenciação parte de estudos como os desenvolvidos por Mondada e Dubois (2003), Koch (2002a, 2005, 2008a, 2008b), Marcuschi (2005, 2007), Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), Cavalcante et al. (2016). A análise dos processos referenciais de (re)construção dos objetos de discurso “índio” e “povos indígenas” parte da abordagem sociocognitivo-interacionista.

Em relação à primeira pessoa do plural (doravante PPP), pautou-se sobre a perspectiva clássica de Benveniste (1991), relativa aos pronomes pessoais, e sobre os estudos pragmáticos de Manetti (2015), Fauci (2016), Screti (2015), Bini e Sella (2019), entre outros autores. Na redação de vestibular selecionada, analisa-se, especialmente, como o candidato mobiliza a PPP e estratégias de referenciação na constituição da argumentação do texto, centrada no ethos, e na construção dos sentidos do texto, em que são considerados tanto o projeto de dizer do enunciador quanto os conhecimentos de mundo do leitor.

 

2 A CONSTRUÇÃO DO ETHOS CONTRASTIVO EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS ELABORADOS POR PRODUTORES INDÍGENAS: UM OLHAR PARA AS ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICAS

Na Retórica, desde os estudos clássicos, a argumentação é compreendida como um fenômeno triádico que leva um orador a adquirir sucesso retórico ao convencer a audiência por meio da imagem que constrói de si (ethos), da mobilização das paixões e das expectativas do auditório (pathos) e da construção do discurso (logos) (MOSCA, 2001; AMOSSY, 2016; ADAM, 2016). Aristóteles (2017), por exemplo, demonstrou a importância da persuasão e sistematizou, pela primeira vez, como a argumentação é construída a partir do caráter pessoal do orador (ethos), do ato de levar o auditório a uma determinada disposição de espírito (pathos) e da construção do discurso (logos).

Apesar da separação em três categorias, entende-se que esses polos são complementares, uma vez que a construção da imagem de si (ethos) ocorre por meio do discurso (logos), ou seja, a partir da estruturação léxico-sintática que marca explicitamente o posicionamento do produtor do texto, na organização textual e no valor semântico dos termos escolhidos; e por meio do processo de interação com a audiência e da mobilização das crenças e dos valores em uma doxa comum (pathos) (ADAM, 2016; BINI, 2020).

O logos também é estruturado no ethos e no pathos, uma vez que a aceitabilidade da plateia aos argumentos defendidos é inerente à credibilidade do produtor do texto (ethos) e à coerência com as convenções sociais do grupo (pathos). Outrossim, o pathos é alicerçado no caráter pessoal do orador (ethos) e na eficácia elocutiva de mobilização dos argumentos (logos). Assim, parte-se do princípio de que essas três categorias estão presentes em todos os textos argumentativos. Contudo, dependendo da intencionalidade do produtor, a argumentação pode ser ancorada em maior ou menor grau em um desses determinados polos (ADAM, 2016).

Considerando, especificamente, o Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, a redação analisada demonstra que o candidato ancora a credibilidade dos argumentos às próprias experiências, que se distanciam das vivências da plateia (banca de correção). Esse distanciamento é explicitado, por exemplo, por meio do uso recorrente das expressões “índio” e “não índio”, sendo a argumentação da redação centrada, principalmente, na construção da imagem de si (ethos).

Sobre o ethos, a literatura consultada demonstrou que a categoria é estudada por diferentes correntes teóricas. Na Análise do discurso, por exemplo, Amossy (2016, p. 9) define o ethos como o “processo de construção de uma imagem de si com o intuito de garantir sucesso retórico”, e Maingueneau (2016, p. 70) afirma que o ethos “está ligado à enunciação, não a um ser extradiscursivo sobre o enunciador”. Na Semântica Formal, observou-se Dascal (2016, p. 57), que caracteriza o ethos como “o caráter apropriado a cada tipo de discurso que o orador deve se preocupar em projetar”. Já na Retórica, Mosca (2001, p. 22) conceitua que o ethos “envolve a disposição que os ouvintes conferem aos que falam”. Para os propósitos deste artigo, entende-se que são perspectivas complementares, que auxiliam na avaliação mais completa da construção da imagem de si por parte do candidato indígena, uma vez que auxiliam na identificação tanto de aspectos linguísticos quanto inerentes à situacionalidade.

No Brasil, o surgimento do Movimento Indígena, em meados da década de 1960, possibilitou que líderes de diferentes povos transpassassem as esferas de suas tribos para alcançar círculos mais amplos, povoados pelas mais diversas etnias indígenas. Para Oliveira (1990), o surgimento do movimento possibilitou não só a ascensão de novas lideranças, mas também o comprometimento com a ideia de organização política e o sentimento de fraternidade indígena.

Antes do Movimento, os líderes desses povos nem sequer utilizavam a categoria índio, considerado na época um termo inadequado, uma vez que utilizavam denominações próprias, como “Terena” ou “Tukuna” (OLIVEIRA, 1990, p. 148). Índio, que, na redação analisada neste artigo, trata-se de uma escolha lexical utilizada pelo candidato com intuito argumentativo e de construção de ethos, era, antes do Movimento, uma palavra que expressava uma categoria instituída pelo colonizador, contra o qual os povos indígenas lutavam. Assim, a recuperação e a ressignificação do termo se deram no interior do Movimento Indígena, quando passou a ser usado para expressar uma nova categoria elaborada pelos povos indígenas.

A partir do Movimento, verifica-se um processo gradual de aceitação e ressignificação de outros elementos da cultura “não-indígena” como uma forma de resistência desta identidade, como é o caso da língua portuguesa. Mendonça (2019, p. 9), que avaliou crenças e atitudes linguísticas na aldeia indígena guarani Tekoha Añetete, no município de Diamante d’Oeste, região Oeste do Paraná, constatou que o português brasileiro é visto pelos indígenas como “uma espécie de passaporte para facilitar a vida cotidiana na escola e no posto de saúde da aldeia e o contato com falantes do português e de outra etnia indígena”. Nesse cenário, pode-se refletir também sobre a presença dos indígenas nas universidades públicas, que utilizam a língua portuguesa como um instrumento de acesso à universidade, por meio do vestibular.

Segundo Amaral e Baibich-Faria (2012), esse acesso constitui um fenômeno recente no Brasil. No Paraná, ressalta-se a aprovação da Lei Estadual nº 13.134, de 18 de abril de 2001, que garantiu “vagas suplementares nas universidades e faculdades estaduais aos povos indígenas do Paraná, e sua implementação através do Vestibular dos Povos Indígenas a partir do ano de 2002” (AMARAL; BAIBICH-FARIA, 2012, 820). Os autores também destacam a importância da Comissão Universidade para os Índios (Cuia), desenvolvida em 2005 pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (Seti), com a finalidade de coordenar o Vestibular dos Povos Indígenas.

A pesquisa de Amaral e Baibich-Faria (2012) também demonstrou que os indígenas que acessam as universidades públicas no Paraná revelam identidade étnica associada ao contraste (indígena e/ou não indígena), característica evidenciada amplamente na redação de vestibular analisada, conforme demonstrado na seção de análises deste artigo.

Sobre a identidade étnica, consultou-se a abordagem de Oliveira (1990), que afirma que se estabelece a partir da relação social de contraste entre identidades minoritárias ou, sobretudo, entre essas identidades maioritárias (como é o caso das identidades dominantes das sociedades hospedeiras) e ela é especialmente uma representação e como tal situa aos membros do grupo étnico em horizontes comuns, orientadores do comportamento grupal. A identidade passa a direcionar o posicionamento do grupo e seus membros em mapas cognoscitivos coletivamente construídos.

Conforme o pesquisador, a identidade étnica, quando compartilhada por um grupo minoritário e socialmente desfavorecido, adquire características que lhe conferem uma dimensão essencialmente política e contrastiva. Além dessas características, é possível acrescentar a força e capacidade mobilizadora legitimada por tradições étnicas ou históricas suscetíveis de transferir aos membros do grupo uma consciência de pertencer a um povo virtual ou realmente ameaçado” (OLIVEIRA, 1990).

Na redação de vestibular selecionada, verificou-se que as principais estratégias argumentativas utilizadas pelo produtor do texto centram-se na construção de um ethos vinculado à identidade étnica contrastiva por meio de processos de referenciação e da utilização da PPP. As abordagens teóricas sobre esses dispositivos linguísticos são discutidas nas seções a seguir.

 

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE REFERENCIAÇÃO

Esta pesquisa pauta-se no pressuposto de que a referenciação é uma atividade discursiva de construção e reconstrução de objetos de discurso, constituídos no discurso e instaurados na negociação entre os participantes da interação, conforme propõem Mondada e Dubois (2003). Sendo assim, os objetos estabelecidos discursivamente reelaboram a realidade e a aparição de expressões nominais anafóricas gera nomeações representativas do modo como o produtor do texto concebe o tema, a organização desse tema em subtemas e assim por diante.

Mondada e Dubois (2003) defendem que as categorias linguísticas e cognitivas são instáveis e culturalmente situadas. Assim, a referenciação é um processo complexo, nos termos de Marcuschi (2007), e que precisa ser analisado na atividade interacional. Considerando-se a redação de vestibular analisada, verifica-se que o contraste instaurado pelo candidato entre “índio” e “não índio”, assim como a alternância entre “povos indígenas”, objeto de discurso ancorado à proposta de redação, e “índios”, mobilizado na construção do ethos, revelam que os objetos instaurados no discurso são sociocognitivamente produzidos, resultado de uma ação discursiva e não de uma identificação de realidades estáveis (MARCUSCHI, 2007).

Conforme Koch (2008b), o texto é o lugar da interação e os interlocutores são sujeitos que dialogicamente constroem os sentidos. O texto, portanto, não é algo acabado, pronto. Ele se constitui por meio das escolhas lexicais realizadas pelo produtor do texto, com base em sua representação do mundo, em sua forma de julgá-lo, e dos conhecimentos prévios do leitor ativados no ato comunicativo.

Nessa perspectiva, o sentido das palavras e dos textos é situado social, histórica e culturalmente e ocorre uma negociação entre os interlocutores para o estabelecimento dos sentidos. Assim, para avaliar as estratégias linguísticas utilizadas pelo candidato com o intuito de ressaltar aspectos de sua identidade, deve-se observar também o contexto histórico e social que mobilizou esse processo.

Segundo Ilari (2005), as expressões anafóricas não são apenas um mecanismo de preservação de referentes ou de conteúdos. Para o autor, “tem pouco a ver com formas, e tem pouco a ver com mundo; ao contrário, tem muito a ver com o modo como armazenamos o mundo em algum ‘buffer cognitivo’” (ILARI, 2005, p. 123).

Segundo essa concepção, adotada nesta pesquisa, não é suficiente apenas identificar as anáforas e seus antecedentes. É preciso “entender o porquê das escolhas feitas, pois cada uma delas implica abandono de outras, e a seleção depende da intencionalidade do texto” (SANTOS; RICHE; TEIXEIRA, 2018, p. 18).

A primeira menção do objeto de discurso no cotexto sem que tenha sido engatilhada por alguma entidade expressa no texto constitui a introdução referencial. Quanto às anáforas, são classificadas como anáforas correferenciais ou diretas aquelas que retomam um referente já introduzido no texto. Nas retomadas realizadas por anáforas correferenciais, quando há uma modificação com a transformação do referente, acontece uma recategorização, que implica uma avaliação feita pelo produtor do texto, uma vez que, ao recategorizar, insere sua opinião, crenças e pontos de vista.

Veja-se um exemplo retirado de um texto produzido no XVI Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná, não selecionado para análise neste artigo (transcrito ipsis litteris), mas que ilustra a construção do objeto de discurso “indígenas” e sua recategorização:

 

(1) Para as pessoas que não conhece os indígenas venhão a aprender e conhecer mais sobre esses povos que lutão para manter e mostrar suas tradições e costumes.

 

No exemplo, percebe-se que a expressão referencial esses povos que lutam para manter e mostrar suas tradições e costumes não só retoma o objeto de discurso introduzido os indígenas, mas também constrói uma identidade nessa prática discursiva, recategorizando-o, processo que garante certa adesão positiva para o objeto de discurso retomado. Trata-se de uma estratégia argumentativa, em que o projeto de dizer se realiza de forma a estabelecer certa adesão com relação ao ponto de vista adotado pelo produtor do texto.

Koch (2008a) já anunciava que a recategorização de um objeto de discurso tem função argumentativa, pois nesse processo “o locutor o apresenta sob novas luzes, enquadra-o em novas categorias, procurando chamar a atenção para novas qualidades/propriedades deste que considera necessário enfatizar para a realização de seu projeto de dizer” (KOCH, 2008a, p. 110).

Ainda sobre o exemplo acima, importa explicar que a retomada de os indígenas, a partir da expressão referencial esses povos que lutam para manter e mostrar suas tradições e costumes, sinaliza percepção sobre a identidade e a cultura indígenas, a partir das quais se estabelece a intencionalidade de que se parte para a produção do texto.

Já as anáforas que não retomam o referente, mas que, a partir de uma âncora, remetem a outros referentes expressos no cotexto ou podem ser inferidas a partir de pistas contextuais, são as chamadas anáforas não correferenciais ou indiretas. Marcuschi (2005) defende que a anáfora indireta é “uma estratégia endofórica de ativação de referentes novos e não de uma reativação de referentes já conhecidos, o que constitui um processo de referenciação implícita” (MARCUSCHI, 2005, p. 53, grifos do autor). Veja-se um exemplo de anáfora indireta retirado de um texto que não foi selecionado para análise nesta pesquisa (transcrito ipsis litteris), mas que contém uma ocorrência interessante para a explicação do termo “referenciação implícita”:

 

(2) Os jogos dos povos indigenas é um evento que acontece para reunir varios atletas das etinias.

 

Verifica-se, no exemplo (2), que a anáfora indireta varios atletas das etinias surge como se fosse conhecida, pois está ancorada na expressão nominal antecedente os jogos dos povos indígenas. Observa-se, dessa forma, que as anáforas indiretas têm “uma motivação ou ancoragem no universo textual” (MARCUSCHI, 2005, p. 59). Para a interpretação da anáfora indireta, há uma associação inferencial, em que o leitor precisa acionar seu conhecimento de mundo: a âncora os jogos dos povos indígenas facilita o processamento da expressão varios atletas das etinias, em que é possível inferir “atletas” a partir de “jogos” e “etnias” a partir de “povos indígenas”.

Ressalta-se que, entre as estratégias de progressão referencial que atuam na categorização e recategorização dos objetos de discurso introduzidos no texto, destacam-se, além das anáforas diretas, indiretas, as anáforas encapsuladoras e o fenômeno da dêixis. No entanto, essas estratégias não são abordadas nesta pesquisa por não serem relevantes para o corpus de análise.

Outro aspecto importante quanto às expressões referenciais é discutido por autores como Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), que defendem que uma representação proposta para um referente não resulta, exclusivamente, das expressões referenciais utilizadas para designá-los. Assim, segundo os autores, a referenciação não se restringe a um conjunto específico de formas linguísticas, de modo que a construção dos objetos de discurso pode ser realizada a partir de recursos linguísticos de natureza diversa. Para eles, os sintagmas nominais presentes nas predicações são também responsáveis pela configuração dos objetos de discurso, ou seja, a representação de um referente vai além das expressões referenciais utilizadas para designá-lo, como é possível observar no seguinte exemplo de Koch (2008a), em que a autora já anunciava a necessidade de se considerar a predicação:

 

Lampião, o mais famoso cangaceiro do nordeste, é uma figura altamente controvertida. Para uns é um santo, pai dos pobres, grande justiceiro. Já outros o consideram um verdadeiro demônio, um gênio de maldade, violento e cruel. De qualquer maneira, ele é um dos mais importantes vultos da história dessa região de nosso país (KOCH, 2008a, p. 112, grifos da autora).

 

Segundo a perspectiva de Koch (2008a, p. 112), “no caso dos predicativos (do sujeito e do objeto), quando representados por expressões nominais, a (re)categorização se opera no interior da predicação, isto é, no próprio fio do discurso”. Assim, o exemplo citado pela autora ilustra as categorizações e recategorizações realizadas nas predicações do personagem Lampião, responsáveis pela orientação argumentativa do texto e atuantes na construção textual dos sentidos.

Essas reflexões contribuem para a compreensão de que, como explica Marcuschi (2008), não se pode produzir nem entender um texto considerando apenas a materialização linguística. Para o autor, as relações contextuais que se estabelecem entre o texto e sua inserção cultural, social, histórica e cognitiva são fundamentais na construção dos sentidos.

Nesse sentido, conforme observam Cavalcante et al. (2016), faz-se necessário considerar o texto inscrito na dimensão das práticas discursivas, pois “o texto, num par correlato com o discurso, é uma unidade comunicativa completa e complexa, cuja coerência se negocia na interação e está incrustada em relações sociais contextualizadas” (CAVALCANTE et al., 2016, p. 9).

A análise das estratégias de referenciação (nesta pesquisa, especificamente, anáforas diretas e indiretas) e das pistas textuais (como a predicação), nessa perspectiva, colabora para revelar não só o direcionamento argumentativo do texto, mas também a construção do ethos a partir da identidade assumida pelo sujeito, autor da redação de vestibular, em determinado contexto social, cultural e histórico.

 

4 ELEMENTOS NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL COM FUNÇÃO EXCLUSIVA: UMA ESTRATÉGIA DE CONSTRUÇÃO DO ETHOS

A PPP se apresenta de forma diferente na língua portuguesa e nas línguas indígenas. No Tupi-Guarani, por exemplo, há dois vocábulos com diferentes sentidos para designar o pronome pessoal nós: oré (nós exclusivo) e îandé (nós inclusivo). Veja-se os exemplos: “Oré tupinakyîa. Aba-pe peē? (Nós (somos) Tupinikins. Quem (são) vocês)”; e “Îandé brasileiros (Nós (somos) brasileiros)” (DICIONÁRIO TUPIGUARANI, 2020, s.p.). Ao observar os exemplos do dicionário de Tupi Guarani, nota-se que o pronome oré é utilizado para excluir os interlocutores da conversa, em oposição ao Îandé, que é inclusivo.

Diferentemente do Tupi-Guarani, o pronome pessoal nós é ambíguo em todas as línguas europeias contemporâneas (SCRETI, 2015; FAUCI 2016), como o português, o inglês, o espanhol, o italiano e o francês, por exemplo, em que o nós abarca não só o eu, mas também todas as pessoas do discurso, sendo que as modalidades exclusiva e inclusiva só podem ser compreendidas no contexto de enunciação.

Conforme discutido na seção 2 deste artigo, o português é utilizado, no Brasil, como língua comum por indígenas de diferentes povos para dialogarem entre si e entre os demais brasileiros. Assim, uma vez que este artigo avalia estratégias argumentativas de uma redação de vestibular escrita em língua portuguesa, reflete-se sobre pesquisas que demonstram que a ambiguidade da PPP pode ser explorada com propósitos argumentativos, como Bini e Sella (2019), Screti (2015), Fauci (2016) e Bini (2021).

A literatura consultada reflete, principalmente, sobre o uso do pronome pessoal nós. Contudo, entende-se que outros elementos linguísticos, além do nós, também materializam os sentidos argumentativos da PPP. Assim, considera-se que as reflexões encontradas sobre a argumentatividade do pronome pessoal também são aplicáveis, por exemplo, aos verbos flexionados na PPP, aos possessivos e ao a gente[1], comum no português brasileiro, principalmente na modalidade oral dialogada.

Segundo Manetti (2015, p. 29, tradução nossa), no pronome nós, realiza-se a junção entre o eu e o não-eu, sendo que a diferenciação do pronome de primeira pessoa do plural em duas formas - o nós inclusivo e o nós exclusivo - foi criada em várias línguas. Essa classificação foi realizada, inicialmente, por Benveniste, que definiu o nós inclusivo como “a junção da pessoa não subjetiva com o eu implícito” e o nós exclusivo como a junção do eu com a “não pessoa” (BENVENISTE, 1991, p. 257).

Assim, entende-se que o produtor do texto opta pela utilização do nós inclusivo quando inclui seus interlocutores como parte de seu grupo (tu, vós). Já o nós exclusivo é utilizado quando o produtor fala sobre si de modo a integrar objetos discursivos e não presentes na interação (ele, ela, eles, elas). A título de exemplificação das categorias linguísticas nós inclusivo e nós exclusivo, selecionou-se um recorte do discurso proferido por Maria dos Santos, líder do grupo Guarani Kaiowá, ao documentário Mulheres indígenas: vozes por direitos e justiça, da ONU Brasil:

 

A gente demorou muito tempo para descobrir nossos direitos de mulheres indígenas. As pessoas têm que ter respeito pela gente e a gente tem que garantir um futuro melhor para nossas crianças. As principais reivindicações que temos é na demarcação de terra, mas entra também saúde, educação, saneamento básico, uma vida melhor (ONU BRASIL, 2018, s.p.).

 

No recorte, a função exclusiva da PPP é explorada pela líder Maria dos Santos de modo a mobilizar diferentes sentidos a partir de sua intencionalidade. Trata-se da forma exclusiva, pois o documentário da ONU Brasil possui como público-alvo a população em geral e não apenas os indígenas. Assim, os possíveis interlocutores não são inclusos no grupo virtual mobilizado pela oradora. Por meio das escolhas lexicais da produtora, nota-se que os termos a gente e nossos referem-se apenas às mulheres indígenas.

Na sequência, ao assumir um tom mais impositivo e jussivo no discurso, a produtora opta por agrupar na PPP todos os indígenas, de modo a ressaltar a contrastividade dessa identidade étnica em relação aos demais (indígenas versus não indígenas). Apesar de assumir um tom mais impositivo ao apresentar reinvindicações, verifica-se que a produtora preserva sua face ao evitar uma acusação direta aos interlocutores, afirmando de forma generalizada que “as pessoas têm que ter respeito pela gente”.

A interpretação da função exclusiva do nós só é possível quando considerado o contexto do documentário. É possível fazer um exercício hipotético: imagine que o discurso fosse proferido pela líder Maria dos Santos às mulheres do grupo Guarani Kaiowá. Apesar de manter-se a produtora do texto e todas as escolhas lexicais, mudando-se os interlocutores, há uma nova enunciação na qual a PPP assume função inclusiva, uma vez que, neste exercício hipotético, o nós corresponderia a eu + vocês (mulheres indígenas), diferentemente do contexto do documentário, em que o nós corresponde a eu + objetos discursivos (indígenas).

Para Bini (2021), a PPP é uma estratégia argumentativa multifuncional, pois, seja inclusiva ou exclusiva, pode mobilizar diversos sentidos e inserir, no texto, componentes retóricos ligados ao ethos que o produtor do texto encena de si no discurso, à forma como utiliza as convenções sociais e as expectativas da plateia para apresentar argumentos e à eloquência, dependendo da intencionalidade do produtor do texto. Vejam-se alguns sentidos que o nós pode mobilizar em diferentes contextos: Nós: Toda a humanidade/ indeterminação universal [nós inclusivo]; Nós: Eu + indeterminação circunscrita à audiência [nós inclusivo]; Nós: eu + tu + eles/elas + vós [nós inclusivo]; Nós: eu + tu + ele/ela + vós [nós inclusivo]; Nós: eu + tu [nós inclusivo]; Nós: eu + ele/eles/elas [nós exclusivo]; Nós: tu [relações de poder assimétricas] Nós: eu [plural de modéstia] (SCRETI, 2015; FAUCI, 2016; BINI; SELLA, 2019; BINI, 2021).

Considerando essa ambiguidade da PPP, Fauci (2016), em referência à expressão animal político, de Aristóteles (ζον πολιτικόν), classifica o nós como pessoa política, pois, conforme o pesquisador, o nós apresenta a essência da sociabilidade em sua modalidade humana, que é justamente política e, como tal, é enquadrada por inúmeras perspectivas e máscaras sociais. Para o autor, a partir do momento em que o nós é utilizado, torna-se, no texto, uma ferramenta argumentativa eficaz, articulada e flexível, capaz de realizar diferentes máscaras sociais, o que, neste artigo, compreende-se como uma estratégia de construção do ethos.

Neste artigo, conforme é demonstrado na seção a seguir, verifica-se que o nós é mobilizado na redação de vestibular como uma ferramenta de construção de um ethos ancorado à identidade étnica, de modo a expor o contraste entre indígenas e não indígenas. Também se observa que a PPP é utilizada pelo produtor do texto como uma estratégia de aderir modalização deôntica e epistêmica ao texto.

Sobre modalização, entende-se que expressa a atitude do produtor do texto relacionada a elementos linguísticos específicos inseridos no enunciado que produz. Segundo Castilho (1994), os elementos modalizadores expressam a avaliação pessoal do produtor a respeito de seu conteúdo; ou seja, por meio desses elementos linguísticos, realça sua intervenção ou ação de orientar o discurso. Para Corbari (2016), a modalização é utilizada para relacionar recursos linguísticos, manipulando-os para agirem sobre os interlocutores, orientando a produção de sentidos ao escolher o conteúdo que vai verbalizar e a forma de fazê-lo. Já Peixoto (2015, p. 72) afirma que “a modalização no enunciado seria aquela na qual certos termos formais são responsáveis pela marca modal que o sujeito imprime no enunciado”.

Bini e Sella (2019, p. 4149), ao analisarem textos do gênero dossiê, constataram que a PPP pode movimentar modalizações epistêmicas que “evidenciam direcionamento, possibilidade/probabilidade, grau de certeza, evidencialidade, mesmo tratando-se de uma marca de pessoa do discurso”. Os autores constataram que essas modalizações na PPP podem ser exploradas pelo produtor de modo a aderir credibilidade ao ethos. Na redação de vestibular analisada, como demonstra-se na seção a seguir, verifica-se que alguns verbos flexionados na PPP imprimem não só modalização epistêmica com os sentidos verificados por Bini e Sella (2019), mas também modalizações deônticas.

Em relação aos modalizadores epistêmicos, de acordo com Castilho (1994) e Koch (2002b), referem-se ao eixo da crença, reportando-se ao conhecimento do produtor do texto sobre um estado de coisa. Já para Pietrandrea (2001), os elementos epistêmicos manifestam a opinião do produtor. Para exemplificação da categoria, pode-se retomar novamente o exemplo apresentado no recorte 1. Verifica-se que, em “A gente demorou muito tempo para descobrir nossos direitos de mulheres indígenas” (ONU BRASIL, 2018, s.p.), os elementos na PPP + as escolhas linguísticas da produtora imprimem no discurso da líder indígena modalização epistêmica. Além disso, nota-se que também o contexto e o histórico de lutas da oradora contribuem para que a modalização epistêmica tenha um alto grau de certeza e evidencialidade[2].

Já os elementos de cunho deôntico, segundo com Castilho (1994), indicam que o produtor do texto considera o conteúdo proposicional como um estado de coisas que precisam ocorrer obrigatoriamente. O pesquisador ressalta que, na modalização deôntica, “há um controle humano sobre os eventos e sobre os referentes” (CASTILHO, 1994, p. 87). Para exemplificação da categoria, também é possível retomar o exemplo apresentado no recorte 1. Em “As pessoas têm que ter respeito pela gente e a gente tem que garantir um futuro melhor para nossas crianças” (ONU BRASIL, 2018, s.p.), nota-se que os elementos grifados aderem ao discurso, ao mesmo tempo, modalização epistêmica, uma vez que movimentam valores e crenças da produtora, e modalização deôntica, pois a líder indígena apresenta o que considera que precisa ocorrer obrigatoriamente.

Ao pensar na relação entre essas categorias linguísticas e as categorias retóricas, pode-se citar Bini e Sella (2019) e Bini (2020). As pesquisas demonstram que os modalizadores fazem parte da elocução do discurso (logos) e que, por meio desses elementos linguísticos, o produtor pode construir diferentes imagens de si: ethos com caráter atenuador e distante da audiência, por meio de modalizadores de possibilidade; e ethos com caráter impositivo, a partir de modalizadores que expressam alto grau de certeza ou jussividade aos posicionamentos.

 

5 A FORÇA CONTRASTIVA DAS ESTRATÉGIAS REFERENCIAIS E DOS ELEMENTOS NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL COM FUNÇÃO EXCLUSIVA NA CONSTITUIÇÃO DO ETHOS ASSOCIADO À IDENTIDADE INDÍGENA

Nesta seção, apresentam-se análises de uma redação de vestibular produzida no XVI Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná (2016), organizado pela Unioeste, cuja proposta de redação solicitava que o candidato, com apoio em dois textos disponibilizados na prova sobre os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, elaborasse um comentário manifestando-se favorável ou não à necessidade de ampliar a participação das mulheres nos Jogos Estudantis dos Povos Indígenas. O comentário elaborado pelo candidato deveria considerar o seguinte contexto de produção, instituído na prova de redação:

 

a) A diretora da escola convidou você para escrever o jornal escolar sobre o evento “Jogos Estudantis dos Povos Indígenas”, que será realizado em novembro de 2016. Para esse fim, como comentarista, você deve se manifestar favorável ou não à necessidade de ampliar a participação das mulheres nesses jogos, de forma que revele a sua própria observação da situação.

É importante que você apresente, como argumentos, pelo menos dois dados ou informações relevantes sobre a questão ao público leitor. Atente para o fato de que o comentarista exerce forte influência sobre a formação de opinião do leitor.

b) Seu texto deve se apresentar com um número entre 08 e 15 linhas.

c) Lembre-se de dar um título ao comentário (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ, 2016, s.p.).

 

A consulta ao banco de redações produzidas pelos candidatos revelou, em primeiro lugar, a fuga ao tema, de forma generalizada, em relação à participação das mulheres nos Jogos Estudantis dos Povos Indígenas, possivelmente, devido à barreira linguística, uma vez que o português não é o idioma falado no ambiente familiar e na comunidade dos estudantes. Essa hipótese é justificável, pois a maioria das redações demonstra que os candidatos possuíam, na época, dificuldades em realizar a progressão textual com coerência e coesão em Língua Portuguesa. Além disso, notou-se que, para muitos candidatos, não só o tema não foi suficientemente compreendido, mas também as instruções referentes ao número de linhas e a necessidade de apresentar o título da redação.

Apesar da dificuldade de compreensão do comando para a produção da redação e dos desvios em relação à modalidade formal da língua, verificaram-se, nos candidatos com maior proficiência do português, habilidades na construção da tessitura argumentativa. Assim, em segundo lugar, constatou-se que a contrastividade étnica, como uma estratégia de construção da imagem de si, é um fenômeno presente na maior parte dos textos. Para analisar como as estratégias referenciais e os elementos na PPP podem ser mobilizados com esse intuito retórico, selecionou-se uma redação representativa do fenômeno. O texto selecionado para análise foi transcrito ipsis litteris do texto original e, no Quadro 1, os processos referenciais estão sublinhados e os elementos na PPP estão em negrito.

 

Quadro 1 - Texto 1

[sem título]

1

2

3

4

5

6

7

8

       Como de conhecimento sobre os povos índigenas do Brasil, muitos índios valorizavam suas culturas através de eventos, fazendo ritual que são suas danças, e as histórias dos índios do antepassados, e várias etnias valorizavam também fazendo eventos, como puxar grandes troncos de árvores, arremesso de lança, cabo de guerra  e lutas.

       Por esse modo, nós povos indígenas devemos ser valorizados não por sermos índios, mas sim porque somos todos um ser humano. nunca podemos diferenciar uma pessoa de outras só pela cor.

       Desde então a nossa cultura  é valorizada através de ritual, pois  esse é de extrema importância em nossas espiritualidade e as tradições  que são os remédios do mato e as comidas tipicas dos indigenas que são de extrema importancia para o nosso meio de viver.

Fonte: Elaborado pelos autores com base no corpus

 

Analisam-se as teias referenciais, a fim de observar os acréscimos de sentidos que são provocados no processo anafórico, e os elementos linguísticos na PPP, para verificar como o produtor explora diferentes funções com propósitos argumentativos. Nota-se que, no texto, a força argumentativa dos elementos na PPP é ancorada às teias referenciais, assim, as análises são apresentadas conjuntamente.

Em relação aos referentes, verificam-se não só os estabelecidos no plano do cotexto, mas também aqueles que são reconstituídos a partir de inferências. Além disso, investigam-se as relações de sentido que outros elementos do texto rendem para os sintagmas nominais. Consideram-se as orientações de Custódio Filho (2011), para quem vários elementos participam da configuração textual (superfície linguística, aparato cognitivo, aspectos sócio-históricos e circunstanciais) e são acionados para a construção dos objetos de discurso, levando-se em conta que essa construção não se limita às expressões referenciais, mas ocorre dentro de uma dinâmica muito mais ampla.

No primeiro parágrafo, evidencia-se que o produtor do texto encena um ethos que se distancia tanto dos objetos discursivos quanto dos interlocutores, o que é perceptível tanto pela narração de modo impessoal quanto pelas escolhas lexicais. Para introduzir o tema, nota-se que o candidato opta por explorar o que acredita ser conhecimento compartilhado com a banca: “Como de conhecimento sobre os povos indígenas do Brasil” (doxa comum entre produtor e audiência). Na sequência, verifica-se que o produtor busca enfatizar que, apesar da pluralidade de povos, singularidades devem ser consideradas, como em “muitos índios” e em “várias etnias” (particularidade/ parte do todo).

Em relação às escolhas lexicais, cabe ressaltar a própria distinção entre os termos “indígena” e “índio”, ambos explorados pelo candidato. A literatura consultada demonstrou que, se em nível frasal é possível estabelecer igual valor semântico aos termos, no processo de enunciação, recebem conotações diferentes a depender do papel social do enunciador. Sobre o termo “indígena”, verifica-se que é o termo adequado a ser utilizado pela sociedade não-indígena. Já o termo “índio” recebeu conotação pejorativa desde o período colonial quando proferido por não-indígenas e, conforme demonstrado na seção 2, na atualidade, é ressignificado e assume valores semânticos positivos ligados à luta e à resistência quando se trata de autodenominação. Assim, ao utilizar os dois termos no parágrafo inicial, o produtor imprime o efeito de sentido de distanciamento dos objetos discursivos ao usar o termo “indígena” e, ao mesmo tempo, também explicita sua propriedade e credibilidade em relação ao tema ao apropriar-se do termo “índio” com valor ressignificado.

No primeiro parágrafo do texto analisado, o candidato argumentou, principalmente, em nível da elocução (­logos), pois houve a apresentação (introdução referencial) “os povos indígenas do Brasil”, que ancora a anáfora indireta “muitos índios”. Além disso, verifica-se que, na busca da valorização dos povos indígenas, o autor insere as anáforas indiretas “suas culturas”, “eventos”, “ritual”, “suas danças”, “as histórias dos índios do antepassados”, “várias etnias”, “eventos”, “puxar grandes troncos de árvores”, “arremesso de lança”, “cabo de guerra” e “lutas”, que, ancoradas ao referente “os povos indígenas do Brasil”, direcionam argumentativamente o texto, evidenciando que, no passado, eram esses aspectos que se destacavam e constituíam a forma como os indígenas valorizavam sua cultura. No parágrafo, o produtor também fornece pistas léxico-sintáticas que permitem a construção do ethos por associação ao grupo; e do pathos por meio da mobilização de crenças compartilhadas com a audiência. A partir da introdução referencial, da anáfora direta e das anáforas indiretas apresentadas na sequência, nota-se que há a construção de um ethos associado à valorização da identidade indígena por meio da legitimidade das tradições étnicas e históricas, que transferiram aos membros mais jovens do grupo, como o vestibulando, uma consciência de pertencimento a um povo ameaçado pelo povo maioritário.

Sobre os elementos na PPP, apresentados a partir do segundo parágrafo, constata-se que mobilizam sentidos, principalmente, ligados à exclusividade, ou seja, verifica-se que o produtor fala em nome de si e dos objetos do discurso não presentes na situacionalidade da enunciação: os povos indígenas. A partir do pronome pessoal, dos pronomes possessivos e dos verbos flexionados na PPP, o produtor fortalece o sentido de identidade étnica contrastiva e constrói um ethos com papel de voz autorizada deste grupo, uma vez que os interlocutores não são incluídos nessa interação, são apenas informados sobre as vivências do produtor do texto. Assim, no parágrafo, por meio da mobilização dos elementos linguísticos, o produtor se insere em três grupos virtuais, com diferentes propósitos retóricos, que podem ser sintetizados no Quadro 2:

 

Quadro 2 – Grupos virtuais que contribuem para a construção do ethos no segundo parágrafo

Grupo

Valor semântico

Propósitos retóricos

1.

Nós povos indígenas

Conjunto múltiplo que compreende a união de diferentes etnias. O produtor utiliza elementos na PPP com função exclusiva associada à expressão referencial que integra todos os povos indígenas e exclui os interlocutores (banca de correção e demais membros da sociedade).

Construção de ethos associado à credibilidade do produtor enquanto voz autorizada de um grupo composto por múltiplas identidades étnicas e contrastivo em relação aos interlocutores.

2.

Índios

Valorização da particularidade em detrimento do todo e ressignificação do termo. O produtor utiliza elementos na PPP com função exclusiva associada à expressão referencial que integra uma parcela determinada de indivíduos virtuais (indeterminação circunscrita) e exclui os interlocutores (banca de correção e demais membros da sociedade).

Construção de ethos associado a valores afetivos (singularidade) e à credibilidade enquanto voz autorizada de um grupo composto por um conjunto circunscrito de indivíduos, com maior grau de contrastividade em relação aos interlocutores.

3.

Seres humanos

Inclusão discursiva dos interlocutores na expressão referencial e nos elementos linguísticos na PPP, por meio de indeterminação universal dos sujeitos que compõem o grupo.

Argumentação por meio do pathos através da valorização de características e convenções sociais compartilhadas por indígenas e não-indígenas.

Fonte: Elaborado pelos autores

 

No segundo parágrafo, verificam-se anáforas diretas que retomam “os povos indígenas do Brasil”: “nós povos indígenas” (grupo 1) e “índios” (grupo 2). Percebe-se, no Quadro 2, que, embora haja correferencialidade em nível frasal, as expressões referenciais modificadas não se limitam a evitar a repetição de palavras e assumem diferentes valores semânticos na enunciação. Ao retomar o referente acrescentando o nós exclusivo, o produtor do texto expressa seu pertencimento à identidade étnica do grupo, indicando um sentimento coletivo do qual ele faz parte; e, por outro lado, deixa claro aos seus interlocutores que eles pertencem a outro grupo. Assim, por meio da PPP, imprime-se modalização epistêmica com alto grau de certeza e evidencialidade, o que contribui para a construção de um ethos impositivo e de credibilidade.

Na sequência, as expressões referenciais são orientadas por duas vozes, uma que defende a valorização “não por sermos índios” (grupo 2), negando essa voz social, e outra que orienta para o sentido pretendido, evidenciado na predicação “todos um ser humano” (grupo 3): “devemos ser valorizados porque somos todos um ser humano”. Dessa forma, é possível afirmar que as escolhas lexicais no processo de retomada revelam os valores e propósitos argumentativos do produtor do texto que convencem, principalmente, por meio do ethos e do pathos.

Verifica-se, no segundo parágrafo, que após consolidada a identidade contrastiva por meio da PPP, o produtor, em devemos, não só pressupõe que os povos indígenas não são valorizados, mas também imprime modalização deôntica e constrói o sentido de que os não índios precisam obrigatoriamente valorizar os povos indígenas, mobilização que pode ser entendida como parte elocucional do logos. Há que se ressaltar que apesar de utilizar o ethos contrastivo ao ancorar a modalização deôntica, para aderir maior força argumentativa ao texto, o produtor explora outras estratégias linguísticas também relacionadas à PPP.

Em “não por sermos índios [grupo 2], mas sim porque somos todos um ser humano [grupo 3]”, nota-se uma escala argumentativa na qual a conjunção adversativa “mas” com valor de operador argumentativo estabelece a maior força ao segundo argumento. Além disso, nota-se que a opção do produtor pela forma regressiva do verbo “ser”, no modalizador epistêmico sermos, conjugado no infinitivo pessoal, para o primeiro argumento, imprime menor grau de certeza que o modalizador epistêmico somos, no presente do indicativo. Outro aspecto argumentativo importante aliado ao somos é que o produtor opta pela função inclusiva do nós para o argumento mais forte, uma vez que os interlocutores fazem parte grupo criado: a humanidade.

Na sequência, em “nunca podemos diferenciar”, verifica-se que o produtor do texto opta, novamente, pela função inclusiva da PPP e imprime, ao mesmo tempo, modalização epistêmica com alto grau de certeza, asseverada pelo operador argumentativo “nunca”, e modalização deôntica de proibição. A expressão é ligada a “uma pessoa de outras só pela cor”, que pode ser interpretada como uma anáfora indireta, pois são considerados os elementos presentes no texto, que facilitam seu processamento, e o conhecimento compartilhado com o leitor como âncora para a interpretação. O articulista, neste caso, aciona o argumento que busca evidenciar durante todo o texto de que o indígena não é diferente devido à sua cor e que deve ser respeitado e valorizado.

Assim, à medida que o objeto de discurso “índio” vai evoluindo no texto, percebe-se como o tema progride e como o ponto de vista do autor vai sendo corroborado. No último parágrafo, no percurso de construir uma avaliação positiva sobre os povos indígenas, o autor discorre sobre a valorização da cultura indígena atualmente. A partir da introdução referencial “a nossa cultura”, o produtor do texto insere as anáforas indiretas “ritual” (expressão que é retomada por meio da anáfora direta “esse”), “nossas espiritualidade”, “as tradições”, “o nosso meio de viver” e, na predicação, “os remédios do mato” e “as comidas típicas dos indígenas”, que são interpretadas não só a partir da relação que têm com a âncora, mas também por meio das informações dos parágrafos anteriores sobre a valorização dos povos indígenas no passado, apoiadas no conhecimento prévio sobre a cultura indígena, o que facilita o processamento das expressões. Dessa forma, o autor insere expressões referenciais no último parágrafo que acrescentam traços sobre o objeto de discurso “índio”.

Em relação aos elementos linguísticos na PPP, no último parágrafo, nota-se que passam, novamente, a ressaltar a identidade contrastiva dos indígenas por meio da função exclusiva, e o produtor assume o ethos de voz autorizada do grupo que compartilha vivências. Assim, os pronomes possessivos imprimem modalização epistêmica de evidencialidade. Destaca-se, também, que, conforme Neves (2018), os pronomes possessivos são ligados à afetividade do produtor do texto com relação ao objeto do discurso.

A análise apresentada demonstra que a construção e reconstrução dos objetos de discurso no texto agregam aos referentes “índio” e “povos indígenas” aspectos positivos, e que o articulista utiliza os termos para aderir ora indeterminação universal (indígenas), ora indeterminação circunscrita (índios) aos elementos linguísticos na PPP.

Ao distanciar-se dos objetos discursivos, o autor enaltece sua cultura, rituais, eventos dos povos indígenas e, principalmente, busca desconstruir a visão estereotipada da sociedade a respeito dos indígenas, com argumentação centrada no logos. Já a partir do momento em que se aproxima desses objetos para construir o ethos, a partir das teias referenciais e dos elementos na PPP com função exclusiva, verifica-se que o articulista ressalta seu pertencimento e apropriação da identidade indígena, que é construída de modo a ressaltar seus contrastes com relação à identidade não indígena. Já a partir dos elementos na PPP com função inclusiva, ocorre a argumentação ao pathos, uma vez que o articulista constrói pontes para o compartilhamento de valores e crenças com seus interlocutores. Nessas condições de produção do discurso, o produtor busca influenciar a audiência a partir de atribuições apreciativas ao conceber o objeto de discurso “índio” de forma positiva, por meio de modalizadores epistêmicos e deônticos.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, analisou-se a construção do ethos por meio do processo de referenciação na constituição dos objetos de discurso “índio” e “povos indígenas” e dos usos da PPP (verbos flexionados e pronomes). No texto, as expressões referenciais e os elementos linguísticos na PPP com função exclusiva não só evidenciam a importância da cultura indígena para a constituição da identidade contrastiva, mas também sinalizam o ponto de vista do produtor e conduzem a orientação argumentativa do texto, por meio da composição triádica ethos, pathos e logos.

O processo de (re)construção dos objetos discursivos no texto demonstra que são construídos nas práticas dos sujeitos situados social, histórica e culturalmente, ou seja, é na atividade discursiva, em que são levados em conta tanto o projeto de dizer do enunciador quanto os conhecimentos de mundo do leitor, que os sentidos são estabelecidos. Para mobilizar esses conhecimentos mútuos com propósitos argumentativos, o articulista utilizou, entre outras estratégias de elocução associadas ao logos, pronomes pessoais, possessivos e verbos flexionados na PPP com as funções inclusiva e exclusiva, que imprimiram no texto modalização deôntica e epistêmica.

Mesmo se tratando de um momento de uma produção textual de vestibular, o produtor do texto busca reafirmar a importância e a contrastividade de seu ethos e sua cultura em relação aos interlocutores, denunciar o quanto seu povo ainda é desrespeitado, evidenciar a necessidade de que seus costumes não sejam esquecidos e demonstrar a urgência na desconstrução de estereótipos sobre os povos indígenas ainda propagados na sociedade. Considerando que diferentes propósitos argumentativos e contextos exigem diferentes estratégias argumentativas, há que se ressaltar as limitações deste estudo, uma vez que o artigo analisou algumas estratégias linguísticas em um texto desenvolvido por um candidato indígena, para o vestibular da Unioeste. Assim, sugere-se a realização de novas pesquisas com o intuito de se esmiuçar outras possíveis estratégias retóricas e em um corpus mais amplo.

 

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Title

The contrastive ethos in a text produced in the University Entrance Exam of the Indigenous Peoples of Paraná/Unioeste: analysis of referring process and elements in the first person plural.

 

Abstract

This article presents an investigation on linguistic strategies used to build the ethos of an Indigenous candidate in an argumentative text, produced in the Fourteenth University Entrance Exam of the Indigenous Peoples of Paraná/2016/Unioeste. Specifically, in a qualitative approach, the objective is to analyze the construction of the ethos by means of the referring process in the constitution of the discourse objects “Indian” and “Indigenous peoples” and the uses of the first person plural (inflected verbs and pronouns) mainly with exclusive function. For this purpose, the theoretical contribution that supports the analysis of the construction of ethos by means of the referring process and linguistic elements in the first person plural is based on the sociocognitive-interactionist approach and on multidisciplinary proposals related to Argumentation, such as Rhetoric, Textual Linguistics, Cognitive Linguistics and Pragmatics. The results show that the referring process and the modalizers with an exclusive function are mobilized by the candidate to build a contrastive ethos (Indigenous and/or non-Indigenous), they signal the producer’s point of view and lead to the argumentative orientation of the text, through the triadic composition ethos, pathos and logos.

 

Keywords

Ethos; referring process; elements in the first person plural with exclusive function; contrastive identity.

 

 

Recebido em: 16/02/2022.

Aceito em: 06/07/2022.



[1] Conforme Ferreira (2017), há uma liberdade, no português popular falado, tanto brasileiro quanto europeu e africano, em relação ao uso dos pronomes pessoais. Assim, nas três variedades, observa-se também o uso do a gente como sinônimo de nós. Apesar de o uso da forma a gente ser consagrado na modalidade oral da língua portuguesa, nota-se que essa forma é apresentada em algumas gramáticas tradicionais apenas como uma observação. Por outro lado, o a gente é considerado como equivalente ao nós em gramáticas de texto, e em pesquisas sociolinguísticas e funcionalistas.

[2] Segundo Dall’Aglio-Hattnher e Pezatti (2004, p. 3), “[...] por meio da evidencialidade o falante indica a evidência que está disponível para assegurar a confiabilidade da informação veiculada”. Para os pesquisadores, existem duas formas de modalização epistêmica que podem ser classificadas como de evidencialidade: evidência direta e evidência indireta. No caso das modalizações epistêmicas deste eixo discutidas no artigo, tratam-se de evidencialidade direta, uma vez que ressaltam a experiência e o conhecimento compartilhado entre os indígenas.